29 julho 2004

Tudo que você sempre quis saber sobre: Educação Poética
Eu queria ser poeta, mesmo nada entendo de poesia; simetria, metonímia, versos decassílabos. Longos e tediosos versos de melancolia, era assim que eu achava que se fazia poesia. Culpa da minha restrita alfabetização parnasiana, naturalista, limitada, de Camões a Castro Alves. Na escola aprendi que a poesia pertence aos profissionais das letras, mesmo não me encantando com a tal ladainha, não me rendia a simplicidade dos versinhos...
Versos? Quem nos ensinou que poesia se faz em verso? Se eu ensinasse poesia começava tudo diferente. Começava levando meus alunos para fora da sala de aula, lição numero um: observar. Uma pedra, um ovo, uma folha seca, qualquer coisa que pudesse ser olhada por tanto tempo até que sua forma original desintegrasse frente aos olhos para sedimentar-se em sensações. Antes de educar o homem, é preciso educar seus sentidos. Segunda aula, começava com Satie em suas notas perfeitas e acabava com Billie Holiday, quando meus alunos ouvissem a dor e a destruição no lugar das melodias, poderíamos passar para a lição três; a fagia, literalmente comer. É preciso saber degustar para saber apreciar a poesia, a gastronomia, com toda sua pompa e circunstância, é a poesia concreta, a própria experiência hermenêutica que não requer palavras. Compreendido os alcances da poesia, eu diria aos meus alunos "vão, façam poesia e, se der vontade, escrevam".       

03 junho 2004

Tudo que você sempre quis saber sobre: Oxigênio

Os antigos eram muito mais sábios que nós, a ponto de afirmar, sem experimentos tecnológicos ou aparatos, "Quod me nutrit me destruit.". A grande máxima do desenvolvimento humano, como diria Emerson, "para tudo que é dado, algo é tirado", aquilo me nutre também me destrói. É assim na evolução médica, que prolonga nossa vida e enfraquece nossos genes, é assim com o grande amor e nem precisa explicar, é assim nessa ambigüidade, que quanto mais avanço na vida, mais me aproximo da morte. E é assim com o ar que respiramos. Não nos damos conta, talvez por nos encontrarmos tão subjugados as intempéries da natureza e estarmos tão envolvidos com nosso mundinho derivado de petróleo, o quão estupidamente frágil é a vida. E essa equação é muito mais simples do que parece, a cada inspiração, meu corpo envelhece, enferrujando como um pedaço de ferro velho.
O oxigênio é a chave da vida superior neste planeta, precisamos dele para pensar, para locomover, para estar de corpo presente. Mas quanto mais combustível utilizamos, mais rapidamente estaremos degradando nosso meio ambiente interno. Oxidação. Literalmente enferrujamos. Quod me nutrit me destruit. Rubem Alves menciona em certa crônica os benefícios de uma vida sedentária. Menos exercícios, menor consumo de oxigênio, menos radicais livres, teoricamente uma vida mais longa. Outros preferem evitar a oxidação diminuindo a quantidade de combustível sólido ingerido, alguns experimentos dizem que reduzindo a dieta alimentar a 1.200 Kcal pode-se aumentar a expectativa de vida em 10 ou 15 anos. Ambas as soluções apresentam efeitos colaterais tais como enfraquecimento dos ossos, do sistema cardiovascular, do sistema auto-imune, sem esquecer, é claro, da menor produção das poderosas endorfinas, produzidas durante a prática esportiva; da serotonina decorrente de um belo pedaço de chocolate.
Cirurgia plástica, botox, reposição hormonal, ponte de safena, florais de Bach, Mercedes bens, Toshiba, Clavin Klein, Motorola, light, integral, fat free? Tentar controlar o tempo é inútil, então que a escolha seja feita por prazer. Eu? To precisando respirar um pouco de ar puro.

01 junho 2004

A loucura nossa de cada dia: Enfim, o admirável mundo novo.

Eu ia contar uma historinha de terror mas o céu anda tão azul que vou deixar para quando voltar a chover. Vamos falar de coisas boas. Uma amiga minha decidiu engravidar. Eu estou animadíssima, já que não estou em condições de ser mãe no momento, esse meu lado fica incentivado os amigos. Ainda mais no caso dela. Foi um longo processo para chegar aqui. 29 anos de relacionamentos especulativos, 2 anos de casamento aclimatando, centenas de enxeridos inquisitivos, pânico de gravidez e parto a serem superados e finalmente, depois de meses gestando a idéia, eles resolveram dar entrada no processo. Isso foi em dezembro passado. A primeira idéia era fevereiro, mas tinha o carnaval, depois abril, mas ai surgiu uma viagem para o exterior e as contas ficariam apertadas, falou-se em maio, postergou-se para julho, assim quem sabe calhe com as férias. Agora tenho fé que vai. Só faltam uns detalhes clínicos; exame de sangue, urina, dna, leptospirose, toxicoplasmose, catapora, caxumba, varíola, rubéola, oftálmico e o resto do compendio de patologias. Exame psicológico que é bom, ninguém pede. Mas, aprovada em todos os quesitos, a candidata à mãe pode assinar a requisição em 3 vias, pagar uma pequena taxa ao convênio mais próximo, re-elaborar o orçamento dos próximos 65 meses e está burocraticamente pronta para iniciar o que deveria ser a parte mais divertida do processo. Desde que os tramites e a expectativa de tanto investimento não interfira.
Ah! Os avanços do mundo moderno me fascinam. E pensar que durante milhares de anos fizemos tudo errado!

22 maio 2004

Post scriptum: Previsões para o outono

Atenção Paulistas para as previsões de Outono. Já alertando as cores da moda para este ano, com os termômetros apontando cada dia mais frio, é preciso estar bem aquecido, e nada como o marrom do chocolate quente fumegante e a mistura charmosa do capuccino com creme para aquecer. Aproveite o frio para esquecer as gordurinhas debaixo do casaco porque esta é a época dos pequenos prazeres. Seguindo a tendência, do tinto ao desbotado, acompanhado de vinho ou conhaque, o inverno pode até ficar blue, mas a cor do outono é jazz, é Autumns Leaves, seja em veludo ou cotton. O cinza é permitido, mas só na fumacinha que sai da boca, no embaço da janela, na neblina da madrugada. Durante o dia, mantendo o visual clean, o céu está lá, em azul transcendental, dando ares de Buenos Aires. A vida noturna paulistana fica mais concentrada, normalmente ao redor da mesa, exigindo couro e madeira para um toque de elegância.
A previsão do tempo para a noite de sexta-feira é pipoca, founde e cobertor de orelha. E a temperatura vai continuar caindo, então não esqueça, neste outono faça um doação para quem precisa, de um abraço a um amigo.

20 maio 2004

Cinesofia: Filmes Catástrofe

Na psicologia isto seria chamado de elaboração, em Hollywood isto se chama investimento; contar e recontar um fato traumático até que ele se torne um evento banal.
A arte de fazer filmes, concebe-los, na verdade, é expressar nossa concepção de mundo. O que pensamos do mundo, o que pensamos de nós, dos outros, o que tememos, o que conquistamos, o que desejamos, do filme mais tolo ao caça níquel, está tudo lá, de uma forma ou de outra. Os filmes são feitos para nos reconhecermos neles, para compor nossos sonhos ou para termos a chance, ainda que momentanea, de estar mais perto de vivermos todas aquelas vidas que não serão possíveis viver.
Este tema daria uma tese a respeito, mas deixarei isso para quem sabe um dia. Por enquanto estou pensando teor filosófico e terapêutico dos filmes catástrofes. Nós vamos todos morrer, um dia o mundo vai acabar, talvez o universo entre em colapso e desapareça, qualquer pessoa um pouco mais informada sabe disso. Então inventamos religiões, causas nobres, paraísos etéreos, travamos batalhas que façam nossa vida e morte valerem a pena e, em um nível mais superficial, consumimos. O gosto pelas catástrofes têm uma origem mais antiga que Hollywood, a própria bíblia já nos enchia os ouvidos com histórias do fim do mundo, dilúvios apocalípticos e pragas devastadoras, de lá para cá foi só uma questão de aprimoramento dos efeitos especiais.
Eu costumo rir destes filmes, mas na verdade eles me deprimem. Já perdi a conta de quantas vezes presenciei o fim da humanidade. Guerras, meteoros, vírus mortais, invasão alienígena, catástrofe climática, descontrole tecnológico, mesmo que até hoje poucos métodos tenham sido eficientes para destruir a humanidade por completo. O que me faz pensar nos sobreviventes. Quem são os sobreviventes? Heróis, presidentes, sortudos, ou azarados, dependendo do ponto de vista? Em caso de apocalipse eu seria poupada? Pegaria na enxada e reconstruiria o mundo ou lutaria contra zumbis canibais para salvar minha pele num planeta Terra destruído?
No mundo apocalíptico cinematográfico ainda teriamos tempo para diversão; perambular por shopping centers desertos e consumir a vontade até que tudo se deteriore é uma das cenas clássica do gênero. Elaboramos nosso fim mas no fundo algo nos faz crer que estariamos entre os sobreviventes. Borges tem razão, no fundo todos nós temos a certeza de ser o primeiro imortal.

23 abril 2004

A loucura nossa de cada dia: Messengers

Eu já tive ICQ no meu computador, antes disso eu até usei o chat da Mandic quando ainda ela BBS. Para quem é desse tempo pré-histórico, pré-java, sabe do que estou falando. Aquela telinha tosca em que você tinha que escrever os comandos e o download p2p já era famoso, só que nenhum arquivo levava menos de 20 minutos para baixar.
Então quando lançaram o ICQ achei o máximo, por 3 meses conversei com o mundo inteiro; ingleses, italianos, suecos, até Israel fez contato comigo, o mundo estava na minha tela, ao alcance do meu teclado.
Depois de um tempo percebi que com o danado on-line eu não conseguia fazer mais nada, era o tempo todo alguém te procurando com a mesma conversa de sempre, então fiz de tudo para voltar ao anonimato. Ah! O tão menosprezado anonimato...
Algum tempo depois percebi que meu ICQ andava as moscas, tinha me tornado tão anônima que ele só servia para fazer sentir solitária e abandonada, então cortei o mal pela raiz, tirei o maldito. Se o seu telefone nunca toca, cancele sua linha, assim você pensará que os outros só não te ligam porque você não tem telefone!
Ontem me convenceram a colocar o MSN, estava de pé atrás, mas os argumentos eram convincentes, fazer trabalhos on-line e tal. Descobri que metade dos meus amigos de ICQ já haviam migrado para o MSN, eu era uma das ultimas sobreviventes. Então, ontem, tive um encontro surreal com uma colega que está morando lá na outra metade do globo. A um oceano de distancia, através de nossas web câmeras fiz uma visita a seu apartamento, conheci seu colega de apartamento, fui até o banheiro, recebi gestos obscenos e tchaus. Me senti assistindo a um live show e o pior é que eu estava na telinha também. Lá no canto esquerdo do MSN estava meu cabeção reproduzindo cada gesto, cada boca aberta de sono, cada roída de unha, cada olhar indecifrável, detalhes que ninguém prestaria atenção numa conversa normal estavam lá, ampliados e em câmera lenta. Não consigo imaginar como alguém possa usar essas maquininhas do demônio para realizar alguma fantasia. Com todos aqueles detalhes e closes e iluminação e sombras... De qualquer modo não pude deixar de ficar maravilhada com as possibilidades de matar a saudades da cara de alguém que está longe. Agora só falta conseguir mandar aquele abraço anexado no e-mail.

12 abril 2004



A loucora nossa de cada dia: Paixão por chocolate

Um total de 2.2 Kg de chocolate industrializado, somado a cerca de 600 gramas de trufas caseira feitas absurdamente por mamãe. Essa páscoa foi intensa no sentido comercial da coisa, mesmo porque a única pessoa que se importa com rituais do gênero cristão na minha família é minha vó e ela estava ocupada demais preparando sua tradicional pastiera. Mesmo assim, certas questões vieram a me tocar; este ano ganhei o primeiro ovo não consangüíneo da minha vida, não dei chocolates a ninguém, não engordei nem um grama apesar de me entupir de chocolates e ganhei bombons de cereja do meu pai. Qual o problema com os bombons? Eu explico. Quando éramos criança o pai do meu pai já tinha seus 90 anos e algumas seqüelas de uma vida de alcoólatra, eu mal entendia suas palavras. Seu João era pobre e vivia com vovó uma vida simples num quarto, sala e cozinha onde antes vivera com seus 3 filhos. A tv branco e preta que levava cerca de 5 minutos para começar a funcionar, o galo no quintal, a boneca da tia diva em cima da cama deles e o bife a milanesa com macarrão ao sugo são algumas das lembranças que tenho deles mas a que mais me encanta é aquela voz embargada incompreensível mas que eu reconhecia de cara o que queria dizer quando mãos enrugadas e tremulantes traziam num saquinho de pão amassado balas 7 belo e um bombom de cereja da Pam. Na páscoa, uma data especial, ganhávamos uma caixa destes bombons. Acho que o ato do meu pai não foi consciente. O que ganhei desta vez não era Pam, é "Cacau Show", uma certa evolução da categoria, mas o engraçado é que ninguém nunca me perguntou se eu realmente gostava de bombons de cereja. Suponho que deve ser algo que grande parte do mundo goste.
Voltando a questão do vício em chocolate, esse ano me pegou de jeito, desde que li uma reportagem na revista Veja sobre os chocolates mais finos do mundo com preços orbitando acima de 70 dólares por quilo. Infelizmente é uma paixão que custa caro, no máximo dá pra comprar uma barrinha da "Kopenhagen " ou um bombom da Offener, mas não estou satisfeita, o problema é a vitrine da "Chocolat du Jour "com sua trufas belgas a cerca de 250,00 reais o quilo! Arrependo-me profundamente ter passado uma semana na Bélgica e ter comido miseras 100 gramas das originais, fantástica, esplendidas e insuperáveis (me faltam adjetivos) trufas. Não pensem que lá é muito mais barato, só um pouquinho, mas talvez esse seja um dos segredo do chocolate belga, por um preço tão salgado o doce se faz mais doce. De qualquer forma, deixando a emoção de lado, eu trocaria meus 2 Kg de chocolate industrializado por 100 g das danadas num piscar de olhos. Alguém disposto?

31 março 2004



Tudo que você sempre quis saber sobre: Lou Andréas-Salomé

Escrever sobre Salomé é mais do que um simples exercício literário, é confessar a si mesmo fraquezas e anseios. E o que eu poderia falar de Salomé, logo eu, que pouco sei de sua vida, quando amigos e amantes ilustres fizeram dela musa e correspondente. Freud, Nietzsche, Wagner e Tolstoi, só para citar os mais pops, e em especial o jovem poeta austríaco Rainer Maria Rilke. Quinze anos mais novo que Salomé, Rilke dedicou a ela metade de suas obras, no livro "O diário de Florença" arte renascentista e declarações apaixonada se misturam. Ninguém melhor que Rilke para falar de amor, ninguém melhor que Salomé para saber de amor. Salomé foi musa porque foi apaixonada, mas não se prestava aos caprichos de ninguém, seu grande anseio estava em viver cada momento, honesta consigo mesmo: "só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o tempo, permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a vida, ser sentido como tal.". Com tal afirmação já dá para perceber que ninguém era capaz de prende-la por muito tempo, nem mesmo Rilke. Muito me espanta que Salomé tenha mantido uma amizade com Freud por quase 25 anos, devo lembrar aqui que esta exerceu a profissão de psicanalista e escritora, mesmo sendo confidente de Anna Freud e apoiando-a contra o pai, e ainda suspeito que tenha sido ela a mencionar Eros e Thanatos a Freud, pois Salomé acreditava que era preciso amar a vida em todas as suas fases e amar até mesmo a morte. Lembro-me da afirmação de um certo filósofo que disse que quem aprendeu a morrer aprendeu a ser livre.
Salomé nasceu em 1861, morreu em 1937, não foi uma mulher a frente de seu tempo, foi uma mulher de seu tempo, tomou-o nas rédeas, o tempo foi seu.
Para saber mais: Humana, demasiadamente Humana(pode me emprestar depois, o outro eu já li.)

15 março 2004



Toten: Orquídias

Ai está, ela não abana o rabo quando você chega em casa, nem chora quando está com fome, mas assim, deslocada de seu meio, ela precisa de você. Não é tão diferente de cuidar de uma pessoa, siga as mesmas regras básicas nada de excessos, atenção e respeito por sua natureza. O excesso de água impede a respiração das raízes e ela morre sufocada. Excesso de carinho pode matar a planta. Pouca água, luz indireta do sol, mas muita claridade, boa ventilação e boa umidade atmosférica. Além disso, dependendo de como rolar o relacionamento de vocês, uma adubação foliar a cada 15 dias vai bem.
A orquídea, por ter um metabolismo mais lento, como regra geral, pode dobrar e até triplicar a idade média de um ser humano, ou seja, até 150 anos. Caso uma relação de tamanha longividade lhe pareça um fardo demasiado pesado, basta deixar que a natureza tome seu próprio curso e logo ela não fará mais parte da sua vida.

ps: publicado em decorrência de um mês de muitos aniversariantes, presentes diversos e demostrações de ingenuidade.

07 março 2004



A loucura nossa de cada dia: La Bella Máfia

Ainda revirando lá no fundo do baú encontrei esta foto. Não, não é o elenco de mais uma saga global "Cosa nostra" ou coisa do gênero. É uma autentica foto da máfia italiana: a família. Mais precisamente a minha família, pouco antes da partida pra terra dos sonhos, acredite, o Brasil. O quinteto em destaque é meus avós, meus tios e minha mãe, mais a direita um casal de primo que acabou indo parar na Alemanha e ainda passa as férias na bella Itália, e os sorridentes noivos, são as únicas caras que reconheço. Todos estes casaram por amor, porque apesar de um bocado conservador, o povo italiano é ainda muito mais passional. Mas casaram e viveram sobre a benção de suas famílias, e não poderia ser diferente, percebi há alguns anos quando visitei minha família em Nápoles, que a verdadeira máfia é muito mais do que aquela dos filmes yankes, porque estamos ligados a verdadeira máfia por DNA e mamães italianas.
Meus parentes na Itália nunca fizeram questão de quebrar a tradição, alias se há algo em que os italianos são peritos é tradição, desde a famosa macarronada da mamma até o sustento dos filhos, nada varia muito. Minha tia, veja bem que estamos falando em parentes de segundo grau, lá é mais uma "herdeira" e seu marido um administrador de seus bens, a filha caçula mora em casa, trabalha meio período e espera pelo casamento, enquanto os outros dois rapazes vivem em novíssimos apartamentos em prédios pra lá de velhos livrando meu tio da ilegalidade de ser senhorio. Os dois rapazes, já casados, também não trabalham mais que algumas horas por semana, assim como boa parte do sul da Itália, geralmente hibernam durante o inverno e migram no verão, o que faz o italiano médio tenha uma certa aversão ao trabalho (o mais simpático italiano pode ser intolerável se abordado durante o expediente) e deixa o tempo livre para cuidar de perto das crias e dos criadores. Logo, se você é um ítalo-sulista típico, provavelmente carregará um divida imensa com seus pais, tios e avós, assim como estes carregaram com os que vieram antes, em troca eles lhe oferecem proteção, uma boa vida, receitas de família e um teto por cerca de 40, 50 anos, até que você esteja pronto para assumir o posto.
Felizmente estamos no Brasil, não? Reunir os parentes de segundo grau é um tanto mais complicado, mesmo morando no mesmo bairro, fica difícil fazer uma visita a pé bem no meio de uma quarta-feira só para checar como as coisas estão. Pensando bem, da terceira geração, só sobrei eu por aqui, a maioria, os de primeiro grau, já se mudaram; Pinheiros, São Bernardo, Curitiba, Inglaterra, aos poucos vamos ampliando as distancia, afinal aqui não existe essa tal máfia. Melhor guardar bem esta foto.

25 fevereiro 2004



História de familia: desde 21 de fevereiro de 1916, Anna Mosca

4 filhos, 9 netos, 6 bisnetos, 36 anos na Itália, 52 no Brasil, 2 grandes guerras, 40 viagens a nossa senhora da aparecida, uma dezena de pequenas guerra, 88 anos de vida, colesterol de bebê, um único parceiro por 50 anos. Ela sobreviveu as grandes epidemias, a travessia de dois meses no oceano com o quarto filho na barriga, sobreviveu aos irmãos e ao marido, mesmo garantido todos os dias da sua vida que seu fim estava chegando. Até que ela enfrentou bem apagar suas 88 velinhas, acho que pela primeira vez me levou a olhar com certo orgulho para ela. Apesar de números tão pomposos sempre fui muito mais indiferente a minha avó do que qualquer outro membro da família. Não me levem por má pessoa, dos nove netos sou a única que está ai todo dia para servi-la, enquanto os outros dedicam a esta difícil senhora visitas esporádicas, recapitulam antigas histórias tantas vezes já contadas, atualizam as fofocas de família e pedem bis por aquela velha canção napolitana.
"Malvada" você diria por eu dizer que estas canções mais se assemelham a lamentos e uivos de um cão vadio, malvada por não se interessar pelas fofocas que são tudo que lhe restam, malvada por rir de suas analises do tipo "no aniversario de São Paulo em todo Brasil é feriado?". Não, vovó não é burra, mas não gosta de pensar e é cabeça dura, muito mais surda que o geral, especialmente quando precisa, apressada e sem contato com os pequenos prazeres da vida, e assim sempre foi. Assim as centenas de histórias da vovó soam muito mais interessantes quando contadas por mamãe. Mas é assim mesmo, não existe amor perfeito que dure a uma dentadura e um prato de espaguete.
Voltando as 88 velinhas, foi a primeira festa de aniversário na ultima década que vi minha vó feliz, sem pressa de ir nem de chegar, sem apressar o jantar ou fazer cara feia para conversas paralelas, talvez não pensando no tempo que se esgota. Minha vó diz se olhar no espelho e não se reconhecer. De quem será aquela cara enrugada? E o corpo cansado? Apesar de suas doideiras que a acompanharam por toda vida, a lucidez necessária para saber quem é nunca abandonou sua mente, se lembra de datas de aniversário como ninguém e faz contas excepcionalmente bem para uma mulher com estudos limitados. Nietzche, Sartre, Heidegger, Kierkgaard, Buber, Camus, nem Speilberg ou Woody Allen, santo ou demônio algum, conseguirão a proeza de ajudar uma mulher de mais estudos, como eu, a encontrar solução alguma diante do mistério do espelho. Mesmo nos bons momentos, quando penso que as rugas são impressões digitas da nossa história, e idade só tem quem viveu, na frente do espelho sempre vai existir alguém num corpo estranho que foge a seu tempo. Ontem fui dormir tentando lembrar se breve eu faria 27 ou 28 anos, é um tanto assustador quando nada dentro de mim me diz ter chego tão longe. Admiro minha vó por ter cultivado números tão expressivos que lhe sussurram "bom, são 88 anos, bons anos".

PS: e o bebê é minha mãe!

08 fevereiro 2004



Cinesofia: A festa de Babette

O filme é uma pequena pérola de 1987 onde a traumatizada Babette gasta toda sua pequena fortuna para preparar um banquete, pra lá de libertador, para suas patroas. A história é simples, mas para entender Babette é preciso ser um pouco mais do que ser um filósofo ou um cinéfilo; é preciso ser um gourmet . A cozinha de Babette é sua arte e os convidados não escapam a ela sem transformação alguma.
Na ultima semana dei minha festa de Babette, dois dias de muito trabalho para um menu um tanto quanto simples; arroz com passas, frango assado na cerveja, salada de berinjelas e purê de mandioquinha. Tudo aprovado por 4 exigentes degustadores. A boa cozinha artesanal já me rendeu mais que elogios, textos de hermenêutica e filosofia, mas é na sua apreciação que se encontra o grande prêmio do cozinheiro. Cozinhar não apenas para alimentar-se, mas para alimentar a alma, a comida traduz a personalidade do cozinheiro, a degustação o expõe, como um escritor que se esforça nas sensações, o cozinheiro esforça-se para cria-las e desapertá-las, é uma linguagem tácita.
Infelizmente ainda não aprendemos quando parar de nos "comunicar", muita comida depois e petit gâteau de nozes com sorvete de creme a vontade, o prazer da reunião à mesa deu lugar a um momento de monstruosa saciedade o qual a cozinha francesa aprendeu sabiamente a administrar, oferecendo pequenas e saborosas porções sem cansar o aparelho digestivo ou acostumar o paladar, deixa-se no degustador a perpétua sensação de "quero mais". A sedução é um dos elementos mais fortes na cozinha, talvez por isso poucas mulheres resistem a um homem de avental, aquele que cozinha sem obrigação suspeita-se um perito na função de dar prazer ao outro.

28 janeiro 2004

Post Scriptum: A Queda

Olhou lá pra baixou, por entre os pés viu carros e caminhões passando rente ao canteiro central, certificou-se que não seria atropelada; cair era uma coisa, mas ser atropelada... Respirou fundo, tentou não perceber a multidão que se aglomerava na calçada as suas costas, já era mais de uma da manhã, como ratos, não sabemos calar a boca. E se um caminhão transportando um grande contêiner cruzasse seu caminho? E se sua queda fosse impedida pela porção de cabos elétricos que se emaranhavam próximos à ponte? Não queria morrer assim. Desceu do para-peito pisando nos poucos centímetros de concreto entre ela e o nada.
Como seria cair? Apostou que seria melhor do que ficar ali. Seria incompetente mais uma vez na vida? Desistiria outra vez? Quantos arrependimentos haveria de carregar? Ódio, de si. Nada mais de lamentações. Deslizou a mão pelo concreto frio, fechou os olhos, o corpo cedeu cortando pelo ar, vazio, maldição, o estomago tinha lhe fugido, a quanto tempo aquilo vinha acontecendo? 2 segundos? 12 meses? 20 anos? Não ouvia mais nada alem do zunido do vento. Estava sozinha rumo em direção a avenida, ao asfalto, abram espaço. Não sentia mais frio, não sentia mais nada, nada. Só o nada.
Abra os olhos, disse-lhe a corda num tranco. Fechou a mão direita sobre o mosquetão, o estomago lhe fugiu novamente quando viu a ponte se aproximar outra vez, um clarão invadiu seus olhos, silhuetas surgiram, e caiu novamente pela passarela iluminada. De sua garganta saiu um urro primitivo, não haveria palavra que o substituísse. Sentia a resistência da corda em sua cintura, abriu os braços e jogou a cabeça para trás, o mundo ao contrário, balançando... balançando... era o mundo que estava balançando.
A 10 metros do chão, estava segura a 10 metros do chão, estava livre. Que ficasse o resto lá em cima, quase estável, pronta para por os pés no chão novamente.
E foi assim que pular da ponte salvou sua vida...

25 janeiro 2004



A loucura nossa de cada dia: Cafezinho

Nunca fui uma grande bebedora de café, prefiro o cheiro do grão torrado ao sabor encorpado que tanto vicia os trabalhadores de escritórios e fumantes. Nos escritórios o cafezinho virou desculpa para aquela escapada, o famoso coffe break, então tem gente por ai que toma uns 32 cafezinhos por dia. Na época em que eu trabalhava num destes redutos de bebedores de café me sentia como um negro tentando entrar para a ku-klux-klan. A cada 40 minutos todo meu departamento se levantava e ia se reunir em volta da cafeteira, e eu seguia silenciosa e acanhada, a rodinha do cafezinho e do cigarro se formava, eu ficava sempre a uns 3 passos atrás e, só para não ser a única de mãos vazia, tomava um copo d'água, mas não surtia o mesmo efeito, a não ser pelo aumento da diurese. Fui obrigada a largar o emprego, escolher um trabalho que condissesse mais com meu estilo de vida.
Estou tentando me adaptar ao cafezinho, dependendo do lugar já consigo encarar um depois do almoço, no resto do dia prefiro um expresso com leite. O Cappuccinno ainda é o mais aceitável pelo paladar, mas para não parecer arrogante, ou novata na arte, evito o seu consumo no dia a dia.
Talvez esse relacionamento confuso com o café esteja ligado a minha dupla de cromossomos x. A maioria das mulheres que eu conheço que bebem café acredita nele como principal arma contra a prisão de ventre, preferindo se abster fora do perímetro domestico. Também noto que as mulheres sentem dificuldade para tomar aquele café solitário no balcão, nós precisamos de mesas e, claro, de companhia. Dia desses me esgueirei até a Kopenhagen para tomar aquele expresso com leite acompanhado de um delicioso pettit cookie, encostei desajeitada no balcão enquanto observava os homens no Blenz Café a frente; altivos e solitários bebiam seus cafés fumegantes enquanto as mesas ao redor eram ocupadas por grupos de mulheres barulhentas agitando colheres freneticamente em suas xícaras contendo as mais diversas modalidades da bebida. Enquanto eu suava bicas após queimar a boca e tentava me fazer confortável de pé ao balcão uma jovem entrou, direta e decidida, carioca com espuma, lançou-me um sorriso de compaixão enquanto eu tentava em vão esfriar meu café, rasgou um envelope de açúcar com total desenvoltura, lançou o conteúdo em sua xícara, agitou a colher por duas vezes e entornou o café cuja a fumaça teria embaçado meus óculos se esta proeza eu tentasse. Lançou o dinheiro sobre o balcão, acenou com a cabeça e foi embora deixando seu cookie solitário ao lado da xícara vazia. Poderosa!

-Batida de Café-
1 lata de leite condensado
a mesma medida de vodka
700 ml ou 2 latas de café frio e forte
Bater todos os ingredientes no liquidificador e servir em seguida.
Rendimento: 1250 ml
Divirtam-se!

20 janeiro 2004



A loucura nossa de cada dia: Festa de Casamento

Essa semana fui num casamento. Bonito, cheio de pompa e circunstância, igreja cheia, salão lotado, comida e bebida a vontade. Os noivos não aparentavam mais de 25 e o casamento foi realizado de livre e espontânea vontade, se é que você entendem. Durante uns 20 anos, até uns dez anos atrás, a moda era morar junto. Casar já não era tão importante, os princípios e valores morais embutidos no casamento pareciam estar prestes a serem superados pela emancipação feminina e liberdade sexual, compromisso e respeito estavam acima de qualquer cerimônia. E os filhos dessa geração cresceram liberados para optarem por um relacionamento livre de velhos princípios. Mas optam cada vez mais pelo velho e tradicional casamento. Não se dão conta das juras vazias que trocam na igreja, ignoram completamente o valor de seus atos enquanto caminham a direção do altar ao som de uma "My way" melosa enquanto um tenor canta "Now, the end is near, And so I face the final curtain...", enquanto eu, que nem ao menos conhecia os noivos, tentava calcular com outro convidado, tão pouco ilustre como eu, a exorbitante fortuna que custaria uma festa daquela. Canapés, discursos, salgadinhos, valsa, salada, cumprimentos, primeiro prato, fotos, segundo prato, sorrisos para câmera, sorvete, mais fotos, doces cristalizados, fotos finais, no fim da noite os recém casados vão direto para cama, umas poucas horas de sono merecidas, afinal, mais tarde a festa pode ser aproveitada pelo vídeo, mesmo que a valsa dos noivos não tenha durado mais que 30 segundos, afinal o fotografo tinha que fotografa-los também com o pai, mãe, padrinhos e, a partir de então, todos os rituais devidamente patrocinados pela Kodak, o processo foi concluído e podem viver felizes para sempre.
Uma amiga minha me disse que só percebera o que havia feito quando voltou da lua de mel e teve que dar conta da roupa suja. Foi quando começou a guerra. Culpa da festa de casamento? Ainda acho que se a transição ocorresse mais lentamente os casamentos teriam mais chance de dar certo; você namora um tempo, deixa meia dúzia de peças de roupa na casa do outro, empresta um cd, compram um cãozinho juntos, um apartamento, passam os finais de semana nesse apartamento, depois a semana inteira e quando menos esperar, já acostumou com a bagunça do dito cujo sem a necessidade de prometer incoerentemente amar o outro independente de tudo e na frente de uma porção de gente. O acordo acontece tacitamente.
Mas a verdadeira droga da festa de casamento é que faz que qualquer solteiro convicto fique pensando que poderia fazer melhor. Hum... uma colina verde seria o lugar perfeito, ao sol de outono, jasmins do campo, noivos descalça trocando suas próprias palavras frente a um juiz de paz escolhido a dedo e um punhado de convidados representantes vivos daquela história... É, só que isso fica entre nós.

13 janeiro 2004

Post Scriptum: Da fisiologia literária

Digo a mim mesma que o resultado do esforço compulsivo a que me submeto quando escrevo deve ser a respiração do leitor, a transformação da leitura em processo orgânico, a corrente elétrica que conduz frases por sua atenção, atravessando filtro, se detêm por um instante, sendo absorvido pelos circuitos de sua mente, e depois, desaparecerem, transformando-se em fantasmas interiores do leitor, para um dia perder-se no que ele tem de mais pessoal e incomunicável.

11 janeiro 2004



Cinesofia: Albergue espanhol

Nesse filme Francês (sim, francês), nosso herói Xavier (sim, Xavier), precisa terminar a faculdade e afiar o espanhol para conseguir um bom emprego. Ele deixa sua vidinha pacata e a boa namorada rumo a caliente Espanha onde, após uma breve estada com um casal francês pra lá de insossos, se muda para o famoso albergue espanhol, conhecido aqui no Brasil como república de estudantes. Não tão diferente da versão nacional, no tal albergue oito estranhos de origens diferente acabam vivendo juntos e se tornando amigos improváveis. Xavier parece o filme todo deslocado, mesmo que o roteiro nos diga que ele está muito bem entrosado, e após um ano sua vida nunca mais será a mesma, afinal Albergue Espanhol segue uma formula nova para filmes franceses; otimistas e sonhadores. Não que me desagrade, mesmo o filme tentando em 122 minutos incluir uma dúzia de personagens em histórias que se assemelham a esquetes cômicos de seriados de tv, tão pouco me desagrada alguns fatos sem repostas e cenas mal explicadas ou mesmo o "final feliz" agarrado por um corajoso Xavier. É justamente esses fatos improváveis e mal explicados que fazem de Albergue Espanhol um filme tão plausível quanto a vida de qualquer um. No fim das contas, Xavier poderia estar, naquela ultima cena, escrevendo as "lendas de Botucatu".

09 janeiro 2004

Problemas no computador, mas já estou arrumando. (maldito vx2.dll , seja lá o que isso faça)

07 janeiro 2004

Verbetes: Superlativos

O Anália Franco se tornou o reduto dos novos ricos da zona leste. Mas como o Tatuapé sempre foi um bairro classe média numa região de classe baixa, morar no Tatuapé era ser parte da elite da ZL. O Anália Franco, na verdade, não passa de um "apêndice" do Tatuapé, mas quem um dia foi zl, sempre será zl. Está nas entranhas do bairro a descendência de italianos e portugueses para lá de barulhentos e agora, como se não bastasse ser um bairro de corintianos e palmeirenses ferrenhos, é também morada para pagodeiros, jogadores de futebol e muambeiros que ganharam uma grana de repente. Não tendo a tradição da "dinastia" que habita Higienópolis, a cultura de Pinheiros ou a reputação do Morumbi, o Anália Franco busca se afirmar entre os bairros mais abastado da cidade através da saída mais prática que encontraram; os superlativos.
Os outdoors anunciam a construção dos novos apartamentos de "Altíssima qualidade, espaçoso e finíssimo acabamento" traduzindo "1.000 m2, 4 suítes, 5 vagas na garagem", é claro que o preço pode chegar a milhões para os compradores, que possam bancar, estacionarem seu novíssimos carrões, suas supergeladeiras 4 portas abarrotadas de guloseimas e instalarem suas televisões de 50 polegadas onde assistem confortavelmente ao Casseta e Planeta.
O uso excessivo dos superlativos não é apenas um problema gramatical mas também existencial. A supertelona tenta disfarçar a falta de cultura, o carrão parece dar um pouco de status, o apartamento, não apenas de alto padrão, de altíssimo padrão, para simular um pouco de classe. Construído nas alturas, concreto sobre concreto, em espaço que não é de ninguém, palácios de vaidade; o superlativo está ai para mostrar o quanto somos ínfimos.