29 junho 2003

Totem:

Este post saiu de uma conversa que tive com o Wilton, "Que morra comigo o mistério que está escrito nos tigres.". Gosto das causas e efeitos Wil mas será tão simples assim? O Wil não é um cara místico, eu também não, embora acho que busquemos experiências extras-qualquer coisa, cada um a sua forma.
Não é de hoje a crença de que cada um de nós está ligado a um animal. Para parte dos índios norte-americanos este totem animal é hereditário, para outras tribos cada indivíduo constrói um laço com um "espírito" animal diferente. Não importa de onde venha, esta representação homem/animal é certamente mais vasta e antiga do que posso imaginar; deuses egípcios, xamanismo, lendas, totens, pets... Talvez de fato carreguemos um animal dentro de nós, resquícios de nosso passado primitivo, nosso lado instintivo ou mesmo talvez nosso alter ego.
A tempos que eu queria escrever sobre algo assim. Os animais que colocarei aqui no site de agora em diante são leituras minha, nada de mistico ou científico. Aguardem os próximos conforme for surgindo oportunidade.

E Wil, o mistério dos tigres é alcançável dentro de cada um de nós, mas seria possível eu faze-lo entender? É por isso Borges diz "Por isto não pronuncio a fórmula, por isso deixo que os dias me esqueçam, deitado na escuridão." ou é por que ele descobre ser muito pequeno? Ou seria os dois?


Eu sempre nutri uma certa simpatia pelos equinos, mas depois da faculdade acho que passei a venera-los. Se algum animal habita em mim, é meu alter ego ou seja lá o que for, deve ser este.



Os cavalos:
Olhando para eles, grandes, rápidos, musculosos até esquecemos que ele não é um predador e sim uma presa. Por isso os equinos são curiosos e desconfiados, exímios conhecedores de caráter. Não que todos sejam ótimos camaradas, mas todos vão querer ter certeza de com quem estão lidando. E é preciso saber que um cavalo nunca esquece.
Quem olha aquele bicho enorme e majestoso no pasto não imagina que o cavalo é um bicho frágil que vive sobre estresse constante. Cada parte do seu corpo é uma extensão do mundo. Ele responde com os olhos, olha com os ouvidos e escuta com toda a sua pele, ele está eternamente pronto para se mandar dali porque é da suas habilidades de observar e correr que depende sua vida.
O instinto dos equinos tambem é forte o suficiente para eles saberem que a vida em bando é essencial para sobrevivência. Estabelecem laços e hierarquias entre eles, e o fazem conosco. Um cavalo pode ocupar uma posição mais baixa entre alguns animais mas ser líder entre outros. Nós temos que decidir se seremos o seu líder ou se deixamos que ele nos lidere, mas liderança consiste em confiança. Em quem vamos confiar? Tornar parte de nossa família? Quando você monta põe sua vida nas mãos do animal e o animal põe a dele nas suas mãos.
 Wil, como eu havia prometido, o mistério dos tigres.

Totem: Os Tigres

O poeta se encontra perdido nas dunas de areia, como Borges que agora anda a espreitar tigres. Das montanhas geladas da Sibéria as quentes Planícies Indianas, o Tigre caça solitário, caminha a passos leves, articulando pele e osso, força e flexibilidade. É impossível não sentir a presença do Tigre expandir-se até seus ombros. Não olhe para trás. Haverá alguma coisa ali? Talvez seja melhor não descobrir.
O Tigre segue, desprezando o que não for caça, os olhos sempre voltados para frente, o corpo curvado, o coração protegido no peito. Eis seu objetivo: sobreviver.
Ele desliza macio, inconsciente de ser um felino, alheio a sua própria sensualidade, preparado para fazer sangrar, para rasgar a carne com os dentes, para segurar a presa pela unha, o Tigre, sozinho, para se satisfazer.
Buscará o outro apenas para calar o instinto, tratará gentilmente os seus para que aprendam a fazer-se respeitar, cuidará enquanto não representarem perigo. Segue que a terra é sua, cada gota de sangue que verter sobre ela será sua recompensa, mas não atacará o corpo do poeta, este desejo não há de se realizar. Não com aquele que ama os tigres, já cumpre sua sentença de ter apenas a alma devorada.

26 junho 2003

...ainda sobre correspondências:

Já que eu falei em correspondência... acho que com um pouco de esforço um e-mail pode ter um certo charme, não vou ser injusta, apesar de nada mais descartável e impessoal. Eu bem que me esforço, mas um e-mail destes sem resposta é ainda mais triste que uma carta sem resposta simplesmente pelo fato de a coisa ser tão fácil... ou será que não é?
Só de raiva (e falta de tempo) vou postar um e-mail pessoal que enviei para uma pessoa e não tive resposta. (Será assim tão fácil responder?)

---E-mail da Giu para alguem---

"Quantas linhas ou quantas paginas tem a história perfeita? De entendimento perfeito? Acho que essa história não teria graça. O que aprendemos* guardamos por toda vida, o que nos ensinam**, nem sempre faz sentido. De qualquer forma ainda aguardo por ela, mas que seja construída por força semelhante a insensatez porem que apenas requeira um pequeno dispêndio de energia por parte do leitor.
Infelizmente hoje ninguém mais tem disposição pra isso não?
Fernando Sabino e Clarice Lispector trocaram cartas por quase 20 anos***. Fica fácil falar assim, não? Dois matutos conversando. Tem momentos que gostaria de entrar no meio da conversa porque acho que mais ninguém ia entender alem deles. Não é verdade, tem gente que entende, mas você não esta entendendo nada não?
Então vou escrever um pedaço do livro pra você:

Carta do Fernando p/ Clarice 1946
'O que você deve ter não é um problema, mas muitos problemas, que podem ser horríveis, mas são muitos, portanto não são você, apenas te prendem (...) Creio muito em você, tanto quanto às vezes creio em mim
mesmo. De repente descreio violentamente: tenho medo de falharmos.'


Será que um deles encontrou?
Bom, ele sabe como somos incrivelmente pequenos, não? E nós, sabemos?
Beijos
Giu

Obs:
*Palavra derivada de "apreender": apropriar-se (Dic. Aurélio)
**Transmitir conhecimento (Dic. Aurélio)
***Publicadas"

24 junho 2003

Correspondência:

Estou emocionada, sempre fico emocionada nestas ocasiões, hoje recebi uma carta. E não era conta para pagar, não era propaganda de pizzaria, nem multa. Era um envelope branco endereçado a mim, com meu nome escrito a caneta, selo, estampa e tudo mais. Não precisei ler o remetente porque reconheci a letra e também provavelmente porque a Novs é a única pessoa que eu conheço que ainda escreve cartas. Entrei em casa com o papel estalando na mão, coloquei-a no escritório, tomei banho, preparei um lanche e só então sentei para ler, rasguei com cuidado o canto do envelope e desdobrei três folhas escritas a mão, li as novidades, não tão novas, satisfeita por segura-las em minhas mãos. Tive que seguir todo um ritual para fazer jus a carta. Não que não nos falemos por e-mail ou telefonemas esporádicos, mas uma carta é uma carta, um artesanato. A carta trás nas linhas o humor do autor, as condições no papel, percorre um longo caminho, pode ser lida, relida, queimada, amassada, guardada de baixo do travesseiro, ser, muitos anos depois, encontrada.
Em quartos escuros, iluminados apenas pela mingua luz de velas, olhos atentos as palavras, talvez letras desenhadas cuidadosamente a bico de pena... durante séculos cartas de negócios, de saudades, de amor, de mágoa, atravessavam o mundo para fazer história, mesmo numa época em que uma carta levaria seis meses para ir da Inglaterra a China, elas carregavam o coração dos homens, que aguardavam ansiosos a chegada a seus destinos e mais ansiosos ainda esperavam por respostas.
Ter amigos distantes não garante cartas. Não me faltam pessoas que amo mundo afora, seja Inglaterra ou Campinas, seja Missouri ou Tatuapé; numa era onde o mundo parece tão pequeno a tecnologia apenas ampliou o espaço entre nós.
Tenho uma dívida a pagar, e que pagarei com o maior prazer, se não pude ir até Concórdia é uma parte de mim que vai.