28 janeiro 2004

Post Scriptum: A Queda

Olhou lá pra baixou, por entre os pés viu carros e caminhões passando rente ao canteiro central, certificou-se que não seria atropelada; cair era uma coisa, mas ser atropelada... Respirou fundo, tentou não perceber a multidão que se aglomerava na calçada as suas costas, já era mais de uma da manhã, como ratos, não sabemos calar a boca. E se um caminhão transportando um grande contêiner cruzasse seu caminho? E se sua queda fosse impedida pela porção de cabos elétricos que se emaranhavam próximos à ponte? Não queria morrer assim. Desceu do para-peito pisando nos poucos centímetros de concreto entre ela e o nada.
Como seria cair? Apostou que seria melhor do que ficar ali. Seria incompetente mais uma vez na vida? Desistiria outra vez? Quantos arrependimentos haveria de carregar? Ódio, de si. Nada mais de lamentações. Deslizou a mão pelo concreto frio, fechou os olhos, o corpo cedeu cortando pelo ar, vazio, maldição, o estomago tinha lhe fugido, a quanto tempo aquilo vinha acontecendo? 2 segundos? 12 meses? 20 anos? Não ouvia mais nada alem do zunido do vento. Estava sozinha rumo em direção a avenida, ao asfalto, abram espaço. Não sentia mais frio, não sentia mais nada, nada. Só o nada.
Abra os olhos, disse-lhe a corda num tranco. Fechou a mão direita sobre o mosquetão, o estomago lhe fugiu novamente quando viu a ponte se aproximar outra vez, um clarão invadiu seus olhos, silhuetas surgiram, e caiu novamente pela passarela iluminada. De sua garganta saiu um urro primitivo, não haveria palavra que o substituísse. Sentia a resistência da corda em sua cintura, abriu os braços e jogou a cabeça para trás, o mundo ao contrário, balançando... balançando... era o mundo que estava balançando.
A 10 metros do chão, estava segura a 10 metros do chão, estava livre. Que ficasse o resto lá em cima, quase estável, pronta para por os pés no chão novamente.
E foi assim que pular da ponte salvou sua vida...

25 janeiro 2004



A loucura nossa de cada dia: Cafezinho

Nunca fui uma grande bebedora de café, prefiro o cheiro do grão torrado ao sabor encorpado que tanto vicia os trabalhadores de escritórios e fumantes. Nos escritórios o cafezinho virou desculpa para aquela escapada, o famoso coffe break, então tem gente por ai que toma uns 32 cafezinhos por dia. Na época em que eu trabalhava num destes redutos de bebedores de café me sentia como um negro tentando entrar para a ku-klux-klan. A cada 40 minutos todo meu departamento se levantava e ia se reunir em volta da cafeteira, e eu seguia silenciosa e acanhada, a rodinha do cafezinho e do cigarro se formava, eu ficava sempre a uns 3 passos atrás e, só para não ser a única de mãos vazia, tomava um copo d'água, mas não surtia o mesmo efeito, a não ser pelo aumento da diurese. Fui obrigada a largar o emprego, escolher um trabalho que condissesse mais com meu estilo de vida.
Estou tentando me adaptar ao cafezinho, dependendo do lugar já consigo encarar um depois do almoço, no resto do dia prefiro um expresso com leite. O Cappuccinno ainda é o mais aceitável pelo paladar, mas para não parecer arrogante, ou novata na arte, evito o seu consumo no dia a dia.
Talvez esse relacionamento confuso com o café esteja ligado a minha dupla de cromossomos x. A maioria das mulheres que eu conheço que bebem café acredita nele como principal arma contra a prisão de ventre, preferindo se abster fora do perímetro domestico. Também noto que as mulheres sentem dificuldade para tomar aquele café solitário no balcão, nós precisamos de mesas e, claro, de companhia. Dia desses me esgueirei até a Kopenhagen para tomar aquele expresso com leite acompanhado de um delicioso pettit cookie, encostei desajeitada no balcão enquanto observava os homens no Blenz Café a frente; altivos e solitários bebiam seus cafés fumegantes enquanto as mesas ao redor eram ocupadas por grupos de mulheres barulhentas agitando colheres freneticamente em suas xícaras contendo as mais diversas modalidades da bebida. Enquanto eu suava bicas após queimar a boca e tentava me fazer confortável de pé ao balcão uma jovem entrou, direta e decidida, carioca com espuma, lançou-me um sorriso de compaixão enquanto eu tentava em vão esfriar meu café, rasgou um envelope de açúcar com total desenvoltura, lançou o conteúdo em sua xícara, agitou a colher por duas vezes e entornou o café cuja a fumaça teria embaçado meus óculos se esta proeza eu tentasse. Lançou o dinheiro sobre o balcão, acenou com a cabeça e foi embora deixando seu cookie solitário ao lado da xícara vazia. Poderosa!

-Batida de Café-
1 lata de leite condensado
a mesma medida de vodka
700 ml ou 2 latas de café frio e forte
Bater todos os ingredientes no liquidificador e servir em seguida.
Rendimento: 1250 ml
Divirtam-se!

20 janeiro 2004



A loucura nossa de cada dia: Festa de Casamento

Essa semana fui num casamento. Bonito, cheio de pompa e circunstância, igreja cheia, salão lotado, comida e bebida a vontade. Os noivos não aparentavam mais de 25 e o casamento foi realizado de livre e espontânea vontade, se é que você entendem. Durante uns 20 anos, até uns dez anos atrás, a moda era morar junto. Casar já não era tão importante, os princípios e valores morais embutidos no casamento pareciam estar prestes a serem superados pela emancipação feminina e liberdade sexual, compromisso e respeito estavam acima de qualquer cerimônia. E os filhos dessa geração cresceram liberados para optarem por um relacionamento livre de velhos princípios. Mas optam cada vez mais pelo velho e tradicional casamento. Não se dão conta das juras vazias que trocam na igreja, ignoram completamente o valor de seus atos enquanto caminham a direção do altar ao som de uma "My way" melosa enquanto um tenor canta "Now, the end is near, And so I face the final curtain...", enquanto eu, que nem ao menos conhecia os noivos, tentava calcular com outro convidado, tão pouco ilustre como eu, a exorbitante fortuna que custaria uma festa daquela. Canapés, discursos, salgadinhos, valsa, salada, cumprimentos, primeiro prato, fotos, segundo prato, sorrisos para câmera, sorvete, mais fotos, doces cristalizados, fotos finais, no fim da noite os recém casados vão direto para cama, umas poucas horas de sono merecidas, afinal, mais tarde a festa pode ser aproveitada pelo vídeo, mesmo que a valsa dos noivos não tenha durado mais que 30 segundos, afinal o fotografo tinha que fotografa-los também com o pai, mãe, padrinhos e, a partir de então, todos os rituais devidamente patrocinados pela Kodak, o processo foi concluído e podem viver felizes para sempre.
Uma amiga minha me disse que só percebera o que havia feito quando voltou da lua de mel e teve que dar conta da roupa suja. Foi quando começou a guerra. Culpa da festa de casamento? Ainda acho que se a transição ocorresse mais lentamente os casamentos teriam mais chance de dar certo; você namora um tempo, deixa meia dúzia de peças de roupa na casa do outro, empresta um cd, compram um cãozinho juntos, um apartamento, passam os finais de semana nesse apartamento, depois a semana inteira e quando menos esperar, já acostumou com a bagunça do dito cujo sem a necessidade de prometer incoerentemente amar o outro independente de tudo e na frente de uma porção de gente. O acordo acontece tacitamente.
Mas a verdadeira droga da festa de casamento é que faz que qualquer solteiro convicto fique pensando que poderia fazer melhor. Hum... uma colina verde seria o lugar perfeito, ao sol de outono, jasmins do campo, noivos descalça trocando suas próprias palavras frente a um juiz de paz escolhido a dedo e um punhado de convidados representantes vivos daquela história... É, só que isso fica entre nós.

13 janeiro 2004

Post Scriptum: Da fisiologia literária

Digo a mim mesma que o resultado do esforço compulsivo a que me submeto quando escrevo deve ser a respiração do leitor, a transformação da leitura em processo orgânico, a corrente elétrica que conduz frases por sua atenção, atravessando filtro, se detêm por um instante, sendo absorvido pelos circuitos de sua mente, e depois, desaparecerem, transformando-se em fantasmas interiores do leitor, para um dia perder-se no que ele tem de mais pessoal e incomunicável.

11 janeiro 2004



Cinesofia: Albergue espanhol

Nesse filme Francês (sim, francês), nosso herói Xavier (sim, Xavier), precisa terminar a faculdade e afiar o espanhol para conseguir um bom emprego. Ele deixa sua vidinha pacata e a boa namorada rumo a caliente Espanha onde, após uma breve estada com um casal francês pra lá de insossos, se muda para o famoso albergue espanhol, conhecido aqui no Brasil como república de estudantes. Não tão diferente da versão nacional, no tal albergue oito estranhos de origens diferente acabam vivendo juntos e se tornando amigos improváveis. Xavier parece o filme todo deslocado, mesmo que o roteiro nos diga que ele está muito bem entrosado, e após um ano sua vida nunca mais será a mesma, afinal Albergue Espanhol segue uma formula nova para filmes franceses; otimistas e sonhadores. Não que me desagrade, mesmo o filme tentando em 122 minutos incluir uma dúzia de personagens em histórias que se assemelham a esquetes cômicos de seriados de tv, tão pouco me desagrada alguns fatos sem repostas e cenas mal explicadas ou mesmo o "final feliz" agarrado por um corajoso Xavier. É justamente esses fatos improváveis e mal explicados que fazem de Albergue Espanhol um filme tão plausível quanto a vida de qualquer um. No fim das contas, Xavier poderia estar, naquela ultima cena, escrevendo as "lendas de Botucatu".

09 janeiro 2004

Problemas no computador, mas já estou arrumando. (maldito vx2.dll , seja lá o que isso faça)

07 janeiro 2004

Verbetes: Superlativos

O Anália Franco se tornou o reduto dos novos ricos da zona leste. Mas como o Tatuapé sempre foi um bairro classe média numa região de classe baixa, morar no Tatuapé era ser parte da elite da ZL. O Anália Franco, na verdade, não passa de um "apêndice" do Tatuapé, mas quem um dia foi zl, sempre será zl. Está nas entranhas do bairro a descendência de italianos e portugueses para lá de barulhentos e agora, como se não bastasse ser um bairro de corintianos e palmeirenses ferrenhos, é também morada para pagodeiros, jogadores de futebol e muambeiros que ganharam uma grana de repente. Não tendo a tradição da "dinastia" que habita Higienópolis, a cultura de Pinheiros ou a reputação do Morumbi, o Anália Franco busca se afirmar entre os bairros mais abastado da cidade através da saída mais prática que encontraram; os superlativos.
Os outdoors anunciam a construção dos novos apartamentos de "Altíssima qualidade, espaçoso e finíssimo acabamento" traduzindo "1.000 m2, 4 suítes, 5 vagas na garagem", é claro que o preço pode chegar a milhões para os compradores, que possam bancar, estacionarem seu novíssimos carrões, suas supergeladeiras 4 portas abarrotadas de guloseimas e instalarem suas televisões de 50 polegadas onde assistem confortavelmente ao Casseta e Planeta.
O uso excessivo dos superlativos não é apenas um problema gramatical mas também existencial. A supertelona tenta disfarçar a falta de cultura, o carrão parece dar um pouco de status, o apartamento, não apenas de alto padrão, de altíssimo padrão, para simular um pouco de classe. Construído nas alturas, concreto sobre concreto, em espaço que não é de ninguém, palácios de vaidade; o superlativo está ai para mostrar o quanto somos ínfimos.