20 maio 2004

Cinesofia: Filmes Catástrofe

Na psicologia isto seria chamado de elaboração, em Hollywood isto se chama investimento; contar e recontar um fato traumático até que ele se torne um evento banal.
A arte de fazer filmes, concebe-los, na verdade, é expressar nossa concepção de mundo. O que pensamos do mundo, o que pensamos de nós, dos outros, o que tememos, o que conquistamos, o que desejamos, do filme mais tolo ao caça níquel, está tudo lá, de uma forma ou de outra. Os filmes são feitos para nos reconhecermos neles, para compor nossos sonhos ou para termos a chance, ainda que momentanea, de estar mais perto de vivermos todas aquelas vidas que não serão possíveis viver.
Este tema daria uma tese a respeito, mas deixarei isso para quem sabe um dia. Por enquanto estou pensando teor filosófico e terapêutico dos filmes catástrofes. Nós vamos todos morrer, um dia o mundo vai acabar, talvez o universo entre em colapso e desapareça, qualquer pessoa um pouco mais informada sabe disso. Então inventamos religiões, causas nobres, paraísos etéreos, travamos batalhas que façam nossa vida e morte valerem a pena e, em um nível mais superficial, consumimos. O gosto pelas catástrofes têm uma origem mais antiga que Hollywood, a própria bíblia já nos enchia os ouvidos com histórias do fim do mundo, dilúvios apocalípticos e pragas devastadoras, de lá para cá foi só uma questão de aprimoramento dos efeitos especiais.
Eu costumo rir destes filmes, mas na verdade eles me deprimem. Já perdi a conta de quantas vezes presenciei o fim da humanidade. Guerras, meteoros, vírus mortais, invasão alienígena, catástrofe climática, descontrole tecnológico, mesmo que até hoje poucos métodos tenham sido eficientes para destruir a humanidade por completo. O que me faz pensar nos sobreviventes. Quem são os sobreviventes? Heróis, presidentes, sortudos, ou azarados, dependendo do ponto de vista? Em caso de apocalipse eu seria poupada? Pegaria na enxada e reconstruiria o mundo ou lutaria contra zumbis canibais para salvar minha pele num planeta Terra destruído?
No mundo apocalíptico cinematográfico ainda teriamos tempo para diversão; perambular por shopping centers desertos e consumir a vontade até que tudo se deteriore é uma das cenas clássica do gênero. Elaboramos nosso fim mas no fundo algo nos faz crer que estariamos entre os sobreviventes. Borges tem razão, no fundo todos nós temos a certeza de ser o primeiro imortal.

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