29 julho 2004

Tudo que você sempre quis saber sobre: Educação Poética
Eu queria ser poeta, mesmo nada entendo de poesia; simetria, metonímia, versos decassílabos. Longos e tediosos versos de melancolia, era assim que eu achava que se fazia poesia. Culpa da minha restrita alfabetização parnasiana, naturalista, limitada, de Camões a Castro Alves. Na escola aprendi que a poesia pertence aos profissionais das letras, mesmo não me encantando com a tal ladainha, não me rendia a simplicidade dos versinhos...
Versos? Quem nos ensinou que poesia se faz em verso? Se eu ensinasse poesia começava tudo diferente. Começava levando meus alunos para fora da sala de aula, lição numero um: observar. Uma pedra, um ovo, uma folha seca, qualquer coisa que pudesse ser olhada por tanto tempo até que sua forma original desintegrasse frente aos olhos para sedimentar-se em sensações. Antes de educar o homem, é preciso educar seus sentidos. Segunda aula, começava com Satie em suas notas perfeitas e acabava com Billie Holiday, quando meus alunos ouvissem a dor e a destruição no lugar das melodias, poderíamos passar para a lição três; a fagia, literalmente comer. É preciso saber degustar para saber apreciar a poesia, a gastronomia, com toda sua pompa e circunstância, é a poesia concreta, a própria experiência hermenêutica que não requer palavras. Compreendido os alcances da poesia, eu diria aos meus alunos "vão, façam poesia e, se der vontade, escrevam".       

03 junho 2004

Tudo que você sempre quis saber sobre: Oxigênio

Os antigos eram muito mais sábios que nós, a ponto de afirmar, sem experimentos tecnológicos ou aparatos, "Quod me nutrit me destruit.". A grande máxima do desenvolvimento humano, como diria Emerson, "para tudo que é dado, algo é tirado", aquilo me nutre também me destrói. É assim na evolução médica, que prolonga nossa vida e enfraquece nossos genes, é assim com o grande amor e nem precisa explicar, é assim nessa ambigüidade, que quanto mais avanço na vida, mais me aproximo da morte. E é assim com o ar que respiramos. Não nos damos conta, talvez por nos encontrarmos tão subjugados as intempéries da natureza e estarmos tão envolvidos com nosso mundinho derivado de petróleo, o quão estupidamente frágil é a vida. E essa equação é muito mais simples do que parece, a cada inspiração, meu corpo envelhece, enferrujando como um pedaço de ferro velho.
O oxigênio é a chave da vida superior neste planeta, precisamos dele para pensar, para locomover, para estar de corpo presente. Mas quanto mais combustível utilizamos, mais rapidamente estaremos degradando nosso meio ambiente interno. Oxidação. Literalmente enferrujamos. Quod me nutrit me destruit. Rubem Alves menciona em certa crônica os benefícios de uma vida sedentária. Menos exercícios, menor consumo de oxigênio, menos radicais livres, teoricamente uma vida mais longa. Outros preferem evitar a oxidação diminuindo a quantidade de combustível sólido ingerido, alguns experimentos dizem que reduzindo a dieta alimentar a 1.200 Kcal pode-se aumentar a expectativa de vida em 10 ou 15 anos. Ambas as soluções apresentam efeitos colaterais tais como enfraquecimento dos ossos, do sistema cardiovascular, do sistema auto-imune, sem esquecer, é claro, da menor produção das poderosas endorfinas, produzidas durante a prática esportiva; da serotonina decorrente de um belo pedaço de chocolate.
Cirurgia plástica, botox, reposição hormonal, ponte de safena, florais de Bach, Mercedes bens, Toshiba, Clavin Klein, Motorola, light, integral, fat free? Tentar controlar o tempo é inútil, então que a escolha seja feita por prazer. Eu? To precisando respirar um pouco de ar puro.

01 junho 2004

A loucura nossa de cada dia: Enfim, o admirável mundo novo.

Eu ia contar uma historinha de terror mas o céu anda tão azul que vou deixar para quando voltar a chover. Vamos falar de coisas boas. Uma amiga minha decidiu engravidar. Eu estou animadíssima, já que não estou em condições de ser mãe no momento, esse meu lado fica incentivado os amigos. Ainda mais no caso dela. Foi um longo processo para chegar aqui. 29 anos de relacionamentos especulativos, 2 anos de casamento aclimatando, centenas de enxeridos inquisitivos, pânico de gravidez e parto a serem superados e finalmente, depois de meses gestando a idéia, eles resolveram dar entrada no processo. Isso foi em dezembro passado. A primeira idéia era fevereiro, mas tinha o carnaval, depois abril, mas ai surgiu uma viagem para o exterior e as contas ficariam apertadas, falou-se em maio, postergou-se para julho, assim quem sabe calhe com as férias. Agora tenho fé que vai. Só faltam uns detalhes clínicos; exame de sangue, urina, dna, leptospirose, toxicoplasmose, catapora, caxumba, varíola, rubéola, oftálmico e o resto do compendio de patologias. Exame psicológico que é bom, ninguém pede. Mas, aprovada em todos os quesitos, a candidata à mãe pode assinar a requisição em 3 vias, pagar uma pequena taxa ao convênio mais próximo, re-elaborar o orçamento dos próximos 65 meses e está burocraticamente pronta para iniciar o que deveria ser a parte mais divertida do processo. Desde que os tramites e a expectativa de tanto investimento não interfira.
Ah! Os avanços do mundo moderno me fascinam. E pensar que durante milhares de anos fizemos tudo errado!

22 maio 2004

Post scriptum: Previsões para o outono

Atenção Paulistas para as previsões de Outono. Já alertando as cores da moda para este ano, com os termômetros apontando cada dia mais frio, é preciso estar bem aquecido, e nada como o marrom do chocolate quente fumegante e a mistura charmosa do capuccino com creme para aquecer. Aproveite o frio para esquecer as gordurinhas debaixo do casaco porque esta é a época dos pequenos prazeres. Seguindo a tendência, do tinto ao desbotado, acompanhado de vinho ou conhaque, o inverno pode até ficar blue, mas a cor do outono é jazz, é Autumns Leaves, seja em veludo ou cotton. O cinza é permitido, mas só na fumacinha que sai da boca, no embaço da janela, na neblina da madrugada. Durante o dia, mantendo o visual clean, o céu está lá, em azul transcendental, dando ares de Buenos Aires. A vida noturna paulistana fica mais concentrada, normalmente ao redor da mesa, exigindo couro e madeira para um toque de elegância.
A previsão do tempo para a noite de sexta-feira é pipoca, founde e cobertor de orelha. E a temperatura vai continuar caindo, então não esqueça, neste outono faça um doação para quem precisa, de um abraço a um amigo.

20 maio 2004

Cinesofia: Filmes Catástrofe

Na psicologia isto seria chamado de elaboração, em Hollywood isto se chama investimento; contar e recontar um fato traumático até que ele se torne um evento banal.
A arte de fazer filmes, concebe-los, na verdade, é expressar nossa concepção de mundo. O que pensamos do mundo, o que pensamos de nós, dos outros, o que tememos, o que conquistamos, o que desejamos, do filme mais tolo ao caça níquel, está tudo lá, de uma forma ou de outra. Os filmes são feitos para nos reconhecermos neles, para compor nossos sonhos ou para termos a chance, ainda que momentanea, de estar mais perto de vivermos todas aquelas vidas que não serão possíveis viver.
Este tema daria uma tese a respeito, mas deixarei isso para quem sabe um dia. Por enquanto estou pensando teor filosófico e terapêutico dos filmes catástrofes. Nós vamos todos morrer, um dia o mundo vai acabar, talvez o universo entre em colapso e desapareça, qualquer pessoa um pouco mais informada sabe disso. Então inventamos religiões, causas nobres, paraísos etéreos, travamos batalhas que façam nossa vida e morte valerem a pena e, em um nível mais superficial, consumimos. O gosto pelas catástrofes têm uma origem mais antiga que Hollywood, a própria bíblia já nos enchia os ouvidos com histórias do fim do mundo, dilúvios apocalípticos e pragas devastadoras, de lá para cá foi só uma questão de aprimoramento dos efeitos especiais.
Eu costumo rir destes filmes, mas na verdade eles me deprimem. Já perdi a conta de quantas vezes presenciei o fim da humanidade. Guerras, meteoros, vírus mortais, invasão alienígena, catástrofe climática, descontrole tecnológico, mesmo que até hoje poucos métodos tenham sido eficientes para destruir a humanidade por completo. O que me faz pensar nos sobreviventes. Quem são os sobreviventes? Heróis, presidentes, sortudos, ou azarados, dependendo do ponto de vista? Em caso de apocalipse eu seria poupada? Pegaria na enxada e reconstruiria o mundo ou lutaria contra zumbis canibais para salvar minha pele num planeta Terra destruído?
No mundo apocalíptico cinematográfico ainda teriamos tempo para diversão; perambular por shopping centers desertos e consumir a vontade até que tudo se deteriore é uma das cenas clássica do gênero. Elaboramos nosso fim mas no fundo algo nos faz crer que estariamos entre os sobreviventes. Borges tem razão, no fundo todos nós temos a certeza de ser o primeiro imortal.

23 abril 2004

A loucura nossa de cada dia: Messengers

Eu já tive ICQ no meu computador, antes disso eu até usei o chat da Mandic quando ainda ela BBS. Para quem é desse tempo pré-histórico, pré-java, sabe do que estou falando. Aquela telinha tosca em que você tinha que escrever os comandos e o download p2p já era famoso, só que nenhum arquivo levava menos de 20 minutos para baixar.
Então quando lançaram o ICQ achei o máximo, por 3 meses conversei com o mundo inteiro; ingleses, italianos, suecos, até Israel fez contato comigo, o mundo estava na minha tela, ao alcance do meu teclado.
Depois de um tempo percebi que com o danado on-line eu não conseguia fazer mais nada, era o tempo todo alguém te procurando com a mesma conversa de sempre, então fiz de tudo para voltar ao anonimato. Ah! O tão menosprezado anonimato...
Algum tempo depois percebi que meu ICQ andava as moscas, tinha me tornado tão anônima que ele só servia para fazer sentir solitária e abandonada, então cortei o mal pela raiz, tirei o maldito. Se o seu telefone nunca toca, cancele sua linha, assim você pensará que os outros só não te ligam porque você não tem telefone!
Ontem me convenceram a colocar o MSN, estava de pé atrás, mas os argumentos eram convincentes, fazer trabalhos on-line e tal. Descobri que metade dos meus amigos de ICQ já haviam migrado para o MSN, eu era uma das ultimas sobreviventes. Então, ontem, tive um encontro surreal com uma colega que está morando lá na outra metade do globo. A um oceano de distancia, através de nossas web câmeras fiz uma visita a seu apartamento, conheci seu colega de apartamento, fui até o banheiro, recebi gestos obscenos e tchaus. Me senti assistindo a um live show e o pior é que eu estava na telinha também. Lá no canto esquerdo do MSN estava meu cabeção reproduzindo cada gesto, cada boca aberta de sono, cada roída de unha, cada olhar indecifrável, detalhes que ninguém prestaria atenção numa conversa normal estavam lá, ampliados e em câmera lenta. Não consigo imaginar como alguém possa usar essas maquininhas do demônio para realizar alguma fantasia. Com todos aqueles detalhes e closes e iluminação e sombras... De qualquer modo não pude deixar de ficar maravilhada com as possibilidades de matar a saudades da cara de alguém que está longe. Agora só falta conseguir mandar aquele abraço anexado no e-mail.

12 abril 2004



A loucora nossa de cada dia: Paixão por chocolate

Um total de 2.2 Kg de chocolate industrializado, somado a cerca de 600 gramas de trufas caseira feitas absurdamente por mamãe. Essa páscoa foi intensa no sentido comercial da coisa, mesmo porque a única pessoa que se importa com rituais do gênero cristão na minha família é minha vó e ela estava ocupada demais preparando sua tradicional pastiera. Mesmo assim, certas questões vieram a me tocar; este ano ganhei o primeiro ovo não consangüíneo da minha vida, não dei chocolates a ninguém, não engordei nem um grama apesar de me entupir de chocolates e ganhei bombons de cereja do meu pai. Qual o problema com os bombons? Eu explico. Quando éramos criança o pai do meu pai já tinha seus 90 anos e algumas seqüelas de uma vida de alcoólatra, eu mal entendia suas palavras. Seu João era pobre e vivia com vovó uma vida simples num quarto, sala e cozinha onde antes vivera com seus 3 filhos. A tv branco e preta que levava cerca de 5 minutos para começar a funcionar, o galo no quintal, a boneca da tia diva em cima da cama deles e o bife a milanesa com macarrão ao sugo são algumas das lembranças que tenho deles mas a que mais me encanta é aquela voz embargada incompreensível mas que eu reconhecia de cara o que queria dizer quando mãos enrugadas e tremulantes traziam num saquinho de pão amassado balas 7 belo e um bombom de cereja da Pam. Na páscoa, uma data especial, ganhávamos uma caixa destes bombons. Acho que o ato do meu pai não foi consciente. O que ganhei desta vez não era Pam, é "Cacau Show", uma certa evolução da categoria, mas o engraçado é que ninguém nunca me perguntou se eu realmente gostava de bombons de cereja. Suponho que deve ser algo que grande parte do mundo goste.
Voltando a questão do vício em chocolate, esse ano me pegou de jeito, desde que li uma reportagem na revista Veja sobre os chocolates mais finos do mundo com preços orbitando acima de 70 dólares por quilo. Infelizmente é uma paixão que custa caro, no máximo dá pra comprar uma barrinha da "Kopenhagen " ou um bombom da Offener, mas não estou satisfeita, o problema é a vitrine da "Chocolat du Jour "com sua trufas belgas a cerca de 250,00 reais o quilo! Arrependo-me profundamente ter passado uma semana na Bélgica e ter comido miseras 100 gramas das originais, fantástica, esplendidas e insuperáveis (me faltam adjetivos) trufas. Não pensem que lá é muito mais barato, só um pouquinho, mas talvez esse seja um dos segredo do chocolate belga, por um preço tão salgado o doce se faz mais doce. De qualquer forma, deixando a emoção de lado, eu trocaria meus 2 Kg de chocolate industrializado por 100 g das danadas num piscar de olhos. Alguém disposto?